Dois dedos de prosa com Água Boa
Na tarde da terça-feira, 25 deste fevereiro tomei conhecimento da liminar do juiz da comarca de Água Boa, Douglas Bernardes Romão, numa ação subscrita pelo promotor Francisco Gomes de Souza Junior, que trava a atividade do grupo empresarial Estância Bahia Leilões presidido pelo ex-prefeito local, Maurício Tonhá, no seu recinto-sede à margem da BR-158 nas imediações dessa cidade.
Entendo que decisão judicial, por mais questionável que seja, tem que ser acatada, mas sem prejuízo da busca por sua reversão em outras instâncias ou até mesmo naquela que a exarou.
Sou defensor da ampla liberdade de expressão para criticar até mesmo o certo quando ele apresenta falhas menores que não impeçam o bem de prevalecer. Conheço a Estância Bahia, seu presidente, diretores e funcionários. Sei da importância desse grupo empresarial para a pecuária mato-grossense e tenho certeza que além de âncora do desenvolvimento de Água Boa e seu entorno ela tem relevante função social pelos empregos diretos e indiretos que gera na ampla cadeia do agronegócio. Esse conhecimento, no entanto, não me impede de criticá-lo em suas falhas. É dever de o jornalista publicar o fato e analisa-lo à luz da razoabilidade todas as vezes que se fizer necessário, mas sem que isso signifique sentença de pena capital figurada ou seu aval. Essa lógica é pedra angular inclusive na aplicação da lei, que deve ser educativa e ressocializante de modo a conceder oportunidade de recuperação ao indivíduo no mais amplo sentido da frase, sem nunca fulmina-lo.
Também entendo que a estrutura produtiva mato-grossense em maior ou menor grau não se enquadra ao mosaico oficial ambiental readequado ao regramento ditado por nações poderosas com apoio de ONGs tupiniquins e supranacionais. Temo que o preciosismo sufoque Mato Grosso, por exemplo: fazendas bicentenárias na região de Casalvasco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, correm risco de interdição ambiental e a agricultura nos quatro cantos do Estado pode ser ferida de morte botando em risco a política de segurança alimentar brasileira.
Mato Grosso é região em transformação, terra onde a força do trabalho costuma chegar antes mesmo que o Estado cumpra seu papel. Nesse solo abençoado a população construiu fóruns em Paranaíta e tantas outras comarcas para receber de braços abertos a magistratura, sem que nenhuma voz togada se sentisse constrangida pela boa usurpação popular das funções de competência do Poder Judiciário, porque todos sabem que numa terra em mutação – sem trocadilho – é preciso que se faça concessão.
A transformação mato-grossense nem sempre é respeitada pelo princípio federativo. Exemplo disso: Brasília mandou sem dó nem piedade botar milhares de mulheres desdentadas, homens de mãos calejadas, crianças raquíticas, velhos e portadores de necessidades no olho da rua pra abrir caminho ao perigoso projeto de expansão das terras indígenas. Isso aconteceu em Estrela do Araguaia e na zona rural daquela localidade, que era conhecida como Fazenda do Papa. Em Estrela do Araguaia escolas, igrejas, postos de saúde e lares foram derrubados sob a mira das metralhadoras e dos fuzis que tanta falta fazem na fronteira com a Bolívia para impedir a ação dos criminosos transnacionais a serviço dos barões da cocaína.
Temo pelo hoje e acho que se não houver mudança na relação Estado-cidadão o amanhã não passa de utopia.
Na quinta-feira, 20 deste fevereiro fechei a edição quinzenal da Revista MTAqui de 28 deste mês e a enviei pra impressão na gráfica. A publicação ficou pronta hoje e providenciei sua remessa por despacho rodoviário (ônibus) e encomenda postal aos assinantes fora do aglomerado urbano de Cuiabá, para que a recebam exatamente na data constante na capa.
No editorial falo sobre a manchete e focalizo o lançamento de uma Série mensal. Quando escrevi o texto não tinha conhecimento da liminar aqui citada e o fiz abordando genericamente o que ora ocorre em Mato Grosso.
Conheço essa cidade há longa data. Pra mim ela se chama Água Muito Boa. Sempre fiz da minha uma voz a mais em defesa da terra do Mané da Água Boa, que virou polo regional pela visão do pastor luterano Norberto Schwantes, que se não tivesse fechado os olhos em 17 de setembro de 1988, após travar dolorosa batalha contra um câncer de pele estaria atrás das grades pelos ‘graves crimes ambientais’ que cometeu ao fundar essa cidade, Canarana, Querência, Terra Nova do Norte e Nova Guarita.
Tomo a liberdade de sugerir a leitura do referido editorial, abaixo. Vou além e o convido a refletir sobre o texto. Não encerraria sem citar Deus. Que o Criador abençoe Água Muito Boa e sua gente.
“De abstrato e realidade
No começo dos anos 1970 Cuiabá era pequena e dependia da rodovia federal que liga Brasília ao Acre pra sobreviver. Os veículos de cargas cruzavam o centro da cidade margeando a Avenida da Prainha. Os possantes tocos da Mercedes Benz reinavam soberanos, porque os areões no Chapadão do Parecis e Rondônia impediam a passagem dos trucados.
Com a pavimentação da BR-364 pra Porto Velho e Goiás, e da BR-163 pra Sinop e Campo Grande a cidade cresceu e o trânsito norte-sul e vice-versa, também. Os tocos saíram de cena e entraram as carretas. Depois surgiram os bitrens. Os pesadões não chegaram a cruzar a área urbana, porque o governo abriu e pavimentou a Rodovia dos Imigrantes, que faz o contorno sul entre a capital e Várzea Grande.
No centro da cidade o trânsito pesado e intenso não deu as caras, mas nele ficou a rodovia-base BR-364, com seus trechos coincidentes com a BR-163 e a BR-070. Enquanto isso a Rodovia dos Imigrantes carregava (ainda carrega) a nomenclatura de MT-407.
A coisa virou samba do crioulo doido. Na prática o centro sem as rodovias federais, mas na burocracia oficial lá continuavam as remontadas 364/163/070 cruzando a Fernando Corrêa da Costa, Miguel Sutil (a rota foi alterada da Prainha pra lá, depois da abertura daquele corredor expresso), e as avenidas da FEB e Júlio Campos, em Várzea Grande. Deixaram pra Cuiabá uma estrada Porcina invertida, que não é, mas que foi. Enquanto isso milhares de carreteiros enfrentam congestionamento e a buraqueira na Imigrantes.
“Será mais fácil ao leitor entender
que as transformações não
aconteceram por acaso”
Depois de muito tempo e diante da incapacidade orçamentária do governo estadual em bancar a conservação de uma via com trânsito interestadual os donos do poder federalizaram a Imigrantes, mas aguardam a papelada para o carimbo definitivo na mudança. Alguém levará vantagem nessa manobra. Isso sem falar que a perigosa sigla RDC entrará em cena com a força de seu nome por extenso – Regime Diferenciado de Contratações – para fazer a restauração do que sobrou daquela estrada com 28 quilômetros e, num segundo passo duplicá-la.
Assim é o Brasil, país do oportunismo. Aguardemos pelos fogos e os discursos dos pais da criança, que acontecerão sem que a bancada federal em Brasília e os demais da classe política abram a boca aqui cobrando lógica e o fim da burocracia.
A revista considera essa quinzena proveitosa pelo lançamento de “Gente que transforma Mato Grosso”, Série mensal que focalizará cidadãos que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento de Mato Grosso.
Com a Série será mais fácil ao leitor entender que as transformações não aconteceram por acaso. Ela começa focalizando a Estância Bahia Leilões, em Água Boa, no Vale do Araguaia, e que nasceu da ousadia do empresário Maurício Tonhá. Seu objetivo é mostrar a imagem real dos grandes vultos nessa terra onde a visão distorcida e os interesses inconfessáveis fazem o abstrato prevalecer sobre a realidade.
Eduardo Gomes de Andrade é editor de MTAqui (www.mtaquionline.com.br)