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Reflexões sobre a conduta de 'Nego da Gaita'

Por Jorge Damante, promotor de Justiça

Não conheço o Nego da Gaita. Não sei se ele é ou não bom filho, bom esposo, bom pai etc. Apesar de nada saber sobre o caráter do Nego da Gaita, sei que ele foi condenado em Primeira Instância, nesta Comarca de Canarana, pelo cometimento do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, vez que transportava em seu veículo uma Magnum .357¹.

Sei também que na noite da última sexta-feira, dia 24/9/2010, por volta das 22h00, em frente ao Restaurante Chopinho, na Avenida Mato Grosso, nesta cidade, o Nego da Gaita matou uma pessoa e feriu gravemente outras três. O crime foi cometido com o uso de um facão gaúcho, com lâmina de 50cm de comprimento e cerca de 5cm de largura.

Então veja: o homem que andava em seu carro portando uma Magnum .357 estava agora portando em seu carro uma arma parecida com uma espada. Questiono: que intenções tem um homem que age assim? Será um homem de Deus? Será uma pessoa pacífica? Pensemos sobre isso.

Imagine, prezado leitor, o que poderia ter acontecido se ao invés de estar portando a espada, o Nego da Gaita estivesse portando a Magnum .357, carregada de balas. Os fatos aconteceram bem em frente ao Restaurante Chopinho, local em que vários casais estavam presentes, muitos, inclusive, com suas crianças. Fácil imaginar, não?

Outra coisa precisa ser dita: quem morreu no episódio de sexta-feira foi um turista de Amparo/SP e outros três (de Amparo/SP, de Serra Negra/SP e de Água Boa/MT) ficaram feridos. Mas o fato poderia ter acontecido comigo, com você ou com qualquer outra pessoa, bastando, para isso, que fosse pessoa estranha ao convívio do Nego da Gaita. Ele estava ensandecido. O homem foi tomado por uma força maligna que o fez agir como um animal embrutecido e não como um ser civilizado e racional.

Comenta-se que o Nego da Gaita teria sofrido uma fechada no trânsito. Parece que ele sustenta esta versão (apesar de que em seu interrogatório policial fez uso do direito constitucional ao silêncio). Diz-se que ele foi tirar satisfação com o motorista que o fechou, iniciando-se, então, uma troca de ofensas entre as partes, que teve o desfecho que todos sabemos qual foi. Não é o que dizem as três vítimas sobreviventes. Todos afirmaram que o Nego da Gaita já desceu do carro irado e com o facão na mão, partindo para cima deles desferindo golpes. As vítimas relataram que não perceberam ter fechado o veículo do Nego da Gaita...

Mas deixemos de lado a versão das vítimas. Vamos admitir que realmente o Nego da Gaita tenha sofrido uma fechada no trânsito. Pergunta-se: havia a necessidade de parar o carro no meio da rua como ele fez, trancando uma das caminhonetes dos turistas, descer do carro com uma espada na mão e atacar as pessoas? O Nego da Gaita é o valentão de Canarana? É assim que você leitor reagiria diante de uma simples fechada no trânsito? Note-se que não se está falando de uma pessoa de 18, 19 ou 20 anos, mas de um homem maduro e experiente, com 57 anos de idade, que, sendo motorista, já deve ter errado e sido vítima de erro no trânsito incontáveis vezes, como acontece com qualquer motorista.

É de fato inaceitável tanta barbárie. E não se diga que agiu em legítima defesa! Quem lhe disser isso, de duas uma: ou não sabe o que está dizendo ou está, maliciosamente, reproduzindo uma mentira. Fique esperto! Qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência na área criminal sabe que os atos do Nego da Gaita foram de ataque e não de defesa. Prova disso é que as três vítimas sobreviventes ficaram feridas nas mãos, pois, instintivamente, tentaram proteger outras partes de seus corpos enquanto eram atacadas.

Alguém poderá questionar: é, mas ele estava com o rosto bem machucado e com a roupa cheia de sangue. É preciso esclarecer, leitor, que os ferimentos que o Nego da Gaita sofreu ocorreram depois que ele já havia matado o turista Ricardo Altheman. Os amigos de Ricardo conseguiram imobilizá-lo e desarmá-lo. Poderiam, inclusive, se quisessem, tê-lo matado com a própria arma com a qual ele tirou a vida do pai de família Ricardo. Porém, não desceram ao nível do assassino. É verdade que bateram nele, mas nada que se compare com o que ele, Nego da Gaita, fez.

Mas ainda há um outro ponto merecedor de comentário.

Vejo com muita preocupação a atitude de várias pessoas da sociedade de Canarana, mobilizando-se para acobertar a conduta do Nego da Gaita, distorcendo a verdade e plantando a mentira, pretendendo tornar em vítima quem cometeu um assassinato brutal e repugnante, que custou a vida de um jovem pai de família, de 33 anos, que deixou órfão um garotinho de 01 (um) ano de idade.

Caro leitor, parece que as pessoas que estão minimizando a conduta animalesca do Nego da Gaita, passando a mão na sua cabeça, não perceberam que o fato acontecido na última sexta-feira extrapola e muito a esfera da ofensa individual à vida do Sr. Ricardo Altheman e das outras três vítimas. A verdade é que o fato repercutirá muito negativamente para Canarana, que, sabidamente, tem no turismo de pesca e de visita ao Parque Indígena do Xingu uma importante fonte de renda para o comércio da cidade. É grande o número de trabalhadores que dependem do setor hoteleiro, restaurantes e pousadas, sendo certo que estes trabalhadores serão diretamente prejudicados com a repercussão negativa do fato e consequente diminuição da atividade turística nesta localidade.

No momento econômico delicado que vivemos, é inquestionável as consequências negativas do fato para a cidade de Canarana. Ao invés dos turistas comentarem nosso potencial de pesca, as belezas naturais dos Rio Kuluene, a riqueza cultural dos povos indígenas, primeiros donos destas terras, e a pujança do agronegócio, comentar-se-á que em Canarana um grupo de turistas foi covarde e insanamente agredido por um cidadão tresloucado. Infelizmente, um povo trabalhador, hospitaleiro, gentil e simpático como é a gente de Canarana, terá sua imagem arranhada pela conduta de um homem inconsequente e irresponsável, embora seja um senhor de 57 anos de idade. Leitor, não se engane, esse crime ainda irá repercutir de forma negativa para Canarana durante muitos anos.

De tal modo, no lugar de passar a mão na cabeça de quem cometeu um assassinato frio e insano e ficar distorcendo a verdade para fazer surgir a farsa, tais pessoas, se realmente gostassem de Canarana, deveriam cobrar uma ação enérgica e dura por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário para que o criminoso seja punido dentro do mais estrito rigor legal. Não estou negando ao agressor o direito de Defesa. O que não aceito é a farsa e a mentira arquitetada por muitos, visando manipular a opinião pública para impedir que a verdade venha à tona. Isso, deveras, é inadmissível.

Aliás, se este promotor de Justiça fosse Prefeito desta cidade, ou representante do Poder Legislativo, já teria ido à imprensa e divulgado o mais amplamente possível que a cidade de Canarana repudia o ato do Nego da Gaita, salientando que sua conduta desequilibrada é fato isolado, deixando bem claro que o povo daqui é pacífico, ordeiro e acolhedor e que a cidade está de braços abertos para receber os turistas que queiram visitar as atrações turísticas da cidade e da região. Em minha opinião, é isso que deveriam fazer os representantes eleitos pelo povo de Canarana.

Mas não sou Prefeito nem Vereador. Sou promotor de Justiça, e enquanto promotor de justiça, cabe a mim lutar com todas as minhas forças para que a Justiça humana imponha-se e que o Nego da Gaita seja responsabilizado criminalmente pelo ato insano que praticou. Enquanto advogado da sociedade, é minha obrigação envidar esforços para fazer com que a verdade prevaleça sobre a mentira.

Quero deixar fixado, contudo, que nunca deixei ou deixarei de acreditar no ser humano. Rogo a Deus que toque o coração do Nego da Gaita e que ele aprenda com esta tragédia que o amor constrói a paz e a solidariedade entre as pessoas, enquanto a ira, o ódio e as atitudes impensadas causam dor e sofrimento, não somente para a própria pessoa, mas também aos seus familiares e amigos. A verdade é que o Nego da Gaita contraiu uma grande dívida com a vítima Ricardo Almeida Altheman e seus familiares, dívida esta que, por princípio de Justiça Divina, cedo ou tarde terá de ser resgatada. Que Deus o abençoe!

São essas as reflexões que deixo ao povo de Canarana.

Ver site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso: http://servicos.tjmt.jus.br/processos/comarcas/dadosProcessoPrint.aspx

 

 

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