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Golpe imobiliário em Querência revela série de fraudes e expõe falhas de fiscalização

QUERÊNCIA (MT) — O sonho da casa própria tornou-se pesadelo para alguns moradores do município após a descoberta de um esquema que, segundo relatos e documentos obtidos pela reportagem, combina contratos de construção, envio de imagens e documentos simulando avanço de obra, falsificação de assinaturas e até acesso indevido ao Portal Gov.br de vítimas para manipular processos de financiamento.

A Polícia Judiciária Civil apura o caso

Um boletim de ocorrência registrado em 29/09/2025 na Delegacia de Querência, obtido após repasse do documento pela vítima à nossa reportagem, apura em detalhes, como o suspeito que atua como empresário e identificado pelas iniciais G.P.J., teria atuado em estelionatos consumados. De acordo com o documento, o modus operandi consistia em “usar de boa conversa”, prometer execução rápida do projeto e apresentar justificativas técnicas para novos repasses, enquanto a construção permanecia inacabada.

Como o caso veio à tona

  • Primeira vítima — Em 20/06/2024, o contratante assinou acordo para construção de uma residência e pagou R$ 20 mil de entrada, confiando no processo junto à Caixa Econômica Federal.
  • Liberações e depósitos — À medida que o financiamento avançava, valores foram liberados na conta do suspeito, constando no B.O. repasses como R$ 45.775,95, além de transferências em 13/06/2025 (R$ 16.174,00), 24/06/2025 (R$ 34.211,00), 02/09/2025 (R$ 2.281,89) e 17/09/2025 (R$ 31.661,00), somando-se ainda R$ 15 mil em depósitos separados.
  • Obra parada — Mesmo com valores que ultrapassam R$ 165 mil, a construção não foi concluída e permanecem “pendências construtivas”, conforme narra o registro policial.
  • Indícios de falsidade — Chegou ao conhecimento de nossa reportagem, a existência de outros registros envolvendo o suspeito por estelionato e falsificação de documentos, situação compatível com os relatos de assinaturas falsificadas para dar seguimento a trâmites de projeto.

Fomos ainda informados, que o investigado, em alguns casos, acessava o Portal Gov.br de clientes, sem autorização, para “acompanhar” e intervir nos processos, o que, se confirmado, pode caracterizar invasão de dispositivo informático e outras infrações correlatas.

Placas de obra, “avanço físico” no papel e alvará inexistente

Relatos convergentes dão conta da instalação de placas nos terrenos (com menção a projeto, responsável técnico e número de registro profissional) sem qualquer atividade de obra. Em paralelo, imagens e documentos teriam sido enviados à Caixa como se o canteiro estivesse em andamento, aumentando as suspeitas de fraude.

A Prefeitura confirmou ainda, que não expediu alvará de construção para os casos verificados, embora haja protocolos administrativos em curso. Sem alvará, qualquer serviço é irregular. A inexistência de ART/RRT (Anotação de Responsabilidade Técnica/Registro de Responsabilidade Técnica) ou de alvará é um sinal de alerta que o consumidor deve checar antes de assinar contratos e realizar pagamentos.

Mais vítimas e prejuízo em cadeia

A reportagem apurou que ao menos outras seis pessoas procuraram a delegacia apontando golpes similares. Além de clientes, fornecedores de materiais de construção e prestadores de serviços relatam inadimplência, e há queixas sobre atraso de aluguel do imóvel onde funcionava o empreendimento.

Alguns contratos obtidos pela reportagem trazem, no cabeçalho, o versículo Mateus 6:33 — “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” — usado, segundo vítimas, como elemento de convencimento, em contraste com a realidade e descumprimento contratual narrada nos depoimentos.

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Correspondente da Caixa e uso de documentos questionáveis

A empresa investigada seria correspondente autorizado da Caixa na cidade, atividade regular por si só, mas que, no contexto apurado, pode ter facilitado a inserção de documentos questionáveis em processos bancários, conferindo verniz de legitimidade a propostas e pedidos de liberação de recursos sem avanço físico real das obras.

Empresas citadas (siglas por cautela)

Os negócios foram formalizados sob razão social vinculada a A. I. e S. J. E.
Por que usamos iniciais? Em respeito à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e para preservar direitos de pessoas físicas e jurídicas enquanto há investigação em curso, adotamos identificação parcial. Essa prática busca evitar prejulgamento e exposição desnecessária de dados sensíveis até que as autoridades concluam as apurações.

O que diz o suspeito

O Notícias Interativa buscou ouvir o investigado. A assessoria informou que ele “está ajudando nas obras” e que só atende com horário marcado, o que impediu entrevista até o fechamento desta reportagem. O espaço permanece aberto para manifestação.

Alerta à comunidade: como identificar sinais de risco

  1. Exija alvará e ART/RRT — Solicite cópia do alvará municipal e da ART/RRT do responsável técnico (CREA/CAU). Confira autenticidade no site dos conselhos.
  2. Verifique o avanço físico — Não aceite fotos isoladas. Vá ao local e registre imagens datadas; compare com medições oficiais.
  3. Controle do seu Gov.br — Jamais compartilhe senha ou autorize terceiros a acessar seu Portal Gov.br. Ative dupla autenticação.
  4. Fluxo do financiamento — Repasses costumam seguir etapas e medições. Se liberações ocorrerem sem obra, procure a agência imediatamente.
  5. Contrato claro — Cláusulas sobre prazos, etapas, multa por atraso e garantias precisam estar explícitas.
  6. Pagamentos rastreáveis — Prefira transferências identificadas e nunca faça grandes adiantamentos sem garantias.
  7. Pesquise histórico — Consulte Procon, fóruns, cartórios e processos públicos. Múltiplas queixas semelhantes são forte indício de risco.

Enquadramentos legais em apuração

As condutas narradas podem configurar, a depender da prova, estelionato (art. 171 do CP), falsificação e uso de documento falso (arts. 297–304 do CP), além de eventuais crimes ligados a acesso indevido a conta eletrônica. A investigação policial vai delimitar responsabilidades civis e penais.

Serviço ao cidadão

Quem desconfia ter sido vítima deve registrar boletim de ocorrência, preservar toda a documentação (contratos, comprovantes, conversas, e-mails, fotos, prints do Gov.br) e procurar assistência jurídica. Procon e Defensoria Pública também podem orientar sobre medidas cíveis de ressarcimento.

 

Nota da Redação — A identificação por iniciais segue boas práticas de proteção de dados e presunção de inocência até o trânsito em julgado. Esta matéria será atualizada diante de novas manifestações oficiais ou decisões no inquérito.

 

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